Zona Sul

Sustentabilidade e uso inteligente do carro são soluções para mobilidade urbana em Piracicaba, diz especialista


Doutora em ciências explica que crescimento das cidades mais antigas, como Piracicaba, privilegiou o automóvel e desprezou as pessoas e outras formas de transporte. ARQUIVO: Trânsito em Piracicaba
Edijan Del Santo/ EPTV
Com o crescimento das cidades, a mobilidade urbana torna-se um desafio cada dia maior para os gestores municipais e para a população de forma geral. Segundo especialista no assunto, a solução parte da sustentabilidade e do uso inteligente dos automóveis, além da utilização de outras formas de locomoção.
Doutora em ciências pelo Programa Interunidades de Pós-Graduação em Ecologia Aplicada (PPGI – EA) da Universidade de São Paulo (USP), Mirian Rother defendeu em 2016 sua tese sobre a mobilidade por bicicletas em Piracicaba. Segundo ela, atualmente o espaço público é pensado para quem utiliza transportes individuais motorizados, como o carro, e ignora outros modais.
“O uso do espaço público privilegia proprietário do automóvel. Se eu não tenho automóvel eu tenho que me virar com o que sobra”, afirmou.
Nesta quarta-feira (22), é celebrado o Dia Mundial Sem Carro, data usada para conscientizar sobre o uso excessivo de automóveis. Mirian ressalta que a questão não é “abrir guerra” contra os carros, mas fazer um uso inteligente deles.
“O cara pega o carro para ir numa padaria a três quadras de casa, depois ele dá mais volta para conseguir estacionar o carro do que a distância que ele percorreu para chegar até lá”, exemplificou.
A Política Nacional de Mobilidade Urbana, lei sancionada em 2012, define como objetivo “contribuir para o acesso universal à cidade”, ou seja, um uso igualitário do espaço público.
“Ele [espaço público] tem que ser compartilhado de forma inteligente e respeitosa, como prevê a lei. Então se eu quero caminhar, eu tenho tanto direito a uma calçada decente como aquele que tem o seu asfalto decente. Se eu quero andar de bicicleta, eu tenho direito ao rolamento tanto quanto aquele que está no carro”, afirma Mirian.
ARQUIVO: Calçada em rua do Centro de Piracicaba
Eduardo Guidini/G1
Acesso à cidade
Apesar do previsto em lei, Mirian destaca que cidades mais antigas, como Piracicaba, sofreram modificações ao longo das décadas voltadas principalmente para receber os automóveis. E isso fez com que o transporte individual fosse privilegiado, dificultando o acesso de todas pessoas à cidade, como prevê a legislação.
Para além do meio de locomoção das pessoas de um ponto a outro, a mobilidade urbana também é sobre o acesso da população aos equipamentos essenciais do município, à saúde, cultura e educação.
Como exemplo, Mirian citou eventos culturais gratuitos que acontecem com frequência no Engenho Central. “No preço que está a passagem de ônibus aqui em Piracicaba, pense em uma família, um casal com dois filhos, e veja quanto que ela gasta para ir e voltar”, explicou.
A pesquisadora também falou sobre a locomoção das pessoas com mobilidade reduzida ou com deficiência, diante da situação de calçadas pela cidade. “Quando elas não são muito estreitas, estão todas deformadas para os carros entrarem nas suas garagens, para estacionarem no comércio”, argumentou.
Segundo a prefeitura, a responsabilidade de melhoria das condições das calçadas é do proprietário do imóvel. Além disso, em novos empreendimentos a administração exige a implantação de rampas de acessibilidade nas esquinas
Transporte de qualidade
Outro aspecto importante da mobilidade urbana sustentável é o investimento em transporte público de qualidade, para que a população use com menos frequência os transportes individuais motorizados.
Contudo Piracicaba tem observado uma queda no número de usuários do transporte. Conforme dados do Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba (Ipplap), o número de passageiros que embarcaram nos terminais de ônibus na cidade vem caindo desde 2014. Veja no gráfico.
De acordo com Mirian, a queda no número de passageiros costuma ser justificativa para não investir em melhorar a qualidade desse serviço na cidade, mas que deveria ser justamente o oposto disso. “Está caindo o número de passageiros de ônibus porque o ônibus é ruim, é caríssimo e não oferece um serviço de qualidade para a população”, afirmou.
Ônibus x carro
O analista de sistemas Tiago Bodini Martins faz diariamente um percurso de cerca de 16 quilômetros para ir ao trabalho, do distrito de Santa Terezinha ao bairro Dois Córregos. O trajeto total, ida e volta, soma 32 quilômetros, que até pouco tempo ele costumava fazer de ônibus.
Contudo, as dificuldades na utilização do transporte coletivo o fizeram desistir dessa forma de locomoção. “Pra eu ir de ônibus eu precisava acordar umas 5h, pegar o ônibus umas 5h30, 6h, ia até o Terminal do Piracicamirim. Lá eu esperava um outro ônibus que subia a Avenida Dois Córregos. Então eu chegava no serviço umas 7h15, 7h20. E eu entrava 7h30. Eu precisava acordar 2h30 antes”, contou.
Segundo ele, além da questão do horário, o que o fez desistir do transporte público também foi a qualidade do serviço, a distância que tinha que percorrer de quase um quilômetro até o ponto de ônibus, a lotação e a demora dos coletivos.
Ônibus do transporte público de Piracicaba
José Justino Lucente/CCS
“Aí em dia de chuva também era muito ruim porque o local que eu trabalhava tinha uma estradinha de terra. Aí de ônibus quando chove lota de gente. Eu não via a hora de ter um carro pra ir pra trabalhar.”
Tiago contou que a troca no meio de transporte teve um custo elevado, para além do valor investido no automóvel. Ele gasta, por mês, cerca de R$ 500 de combustível para fazer o deslocamento até o trabalho. Quando utilizava o transporte público, a empresa custeava o bilhete de ônibus.
“Eu vejo que bastante gente fala que nos países de primeiro mundo prefere usar o transporte público e funciona. Aí eu fico pensando: se funciona lá poderia funcionar aqui.”
Já o publicitário João Teodoro Junior faz diariamente um trajeto de cerca de 16 quilômetros para ir e voltar do trabalho de ônibus, entre os bairros Jardim Diamante a Nova América. Para cada percurso ele precisa pegar dois coletivos e leva cerca de uma hora.
A principal dificuldade, segundo ele, é a demora dos coletivos e a lotação nos horários de pico. “O ônibus às vezes vem muito lotado, infelizmente. Tem vezes que o motorista nem para pra você no ponto de ônibus. Então você está no seu horário certo no ponto de ônibus, mas o ônibus passa muito lotado e o motorista não para, porque não tem condições mais do passageiro entrar.”
Para o publicitário, além do número de coletivos nos horários de mais movimento, outro problema que precisa ser melhorado nos ônibus é a ventilação, por conta dos dias de mais calor.
João contou também que usa o transporte coletivo por ser a forma mais viável de se locomover pela cidade. Ele não tem um automóvel próprio e tem receio de utilizar bicicleta por conta da falta de ciclovias e ciclofaixas pela cidade. “Teria que andar na rua, com os motoristas mesmo. Acho meio perigoso”, argumentou.
Além do transporte público, João disse que em algumas situações usa transporte por aplicativo ou pega carona com o pai. “Quando preciso chegar mais rápido, quando tem horário pra chegar. E meu pai dirige, então quando a gente tá indo pro mesmo caminho ele me leva. Mas a maior parte do tempo uso ônibus.”
Placas de informação sobre ciclovia e ciclofaixa em Piracicaba
Divulgação
Ciclista invisível
Piracicaba tem, atualmente, seis quilômetros de ciclovias e ciclofaixas, conforme informação disponível no site da Secretaria de Mobilidade Urbana, Trânsito e Transporte (Semuttran). A maior parte delas, é voltada para prática de esportes e lazer, nas margens do Rio Piracicaba e proximidades.
Este ano, a prefeitura lançou o projeto “CicloVidas”, que prevê a implantação de 10 quilômetros de ciclovias, ciclofaixas ou ciclorrotas ao ano no município. Até agora em 2021 foi anunciada a implantação de 3,7 quilômetros na Avenida Laranjal Paulista.
A obra tinha previsão de início para a segunda metade de julho, mas não começou a ser executada, “em razão de melhorias no projeto e de demandas compartilhadas com outras secretarias”, segundo a prefeitura. A cidade não tem construção de ciclovias ou ciclofaixas há pelo menos cinco anos.
O objetivo do projeto CicloVidas, segundo o site da Semuttran, é “formar um sistema integrado aos demais sistemas de transportes e aos pontos de interesse da cidade, como pontos turísticos e culturais, comércio, indústria e escolas e, assim, atender às necessidades de mobilidade dos cidadãos”.
Ciclofaixa da Rua do Porto em Piracicaba
Divulgação
Em sua tese de doutorado sobre o assunto, Mirian Rother falou sobre o “ciclista invisível”. Segundo ela, é o morador que utiliza a bicicleta como meio de transporte, para além da prática de esportes e do lazer.
“As pessoas não enxergam o cara que sai para trabalhar, que é o metalúrgico, que é o jardineiro, que é a pessoa que usa a bicicleta de forma inteligente, saudável e sustentável”, afirmou.
De acordo com ela, por muito tempo foi dito que Piracicaba não é uma cidade para ciclistas, por conta do relevo acidentado. “Ninguém se incomoda, a gente sabe onde andar de bicicleta, você vai acompanhar os divisores de água. Por exemplo, na Avenida Independência, de um lado você tem o riacho do Piracicamirim e do outro o córrego Itapeva. É completamente plano para um ciclista.”
Outro argumento contra o uso de bicicletas como meio de transporte, segundo Mirian, é o calor. Sobre isso, a doutora argumenta que a política de implantação de ciclovias e ciclofaixas deve ser acompanhada de um processo de arborização urbana, que suavizaria as temperaturas na cidade.
Vantagens da mobilidade sustentável
Mirian Rother listou os benefícios da mobilidade urbana sustentável para a população e para as cidades. Segundo ela, um dos principais é a saúde das pessoas. “Poucas pessoas sabem, mas o trânsito é uma coisa que mata milhões de pessoas por ano.”
Além disso, o transporte ativo, como a bicicleta, traz benefícios para o corpo e também para a saúde. Ela também elencou a qualidade do ar, arborização da cidade, redução de custos, entre outros fatores positivos. “Tudo mais saudável, não vejo desvantagem nenhuma.”
Apesar da realidade atual em Piracicaba, que privilegia o automóvel em relação aos outros meios de transporte, Mirian diz que a situação é reversível. “É possível? Sim. O que precisa é vontade política. Precisa montar uma política de educação no trânsito, ou uma educação para a mobilidade como eu prefiro dizer”, disse.
O que diz a prefeitura
A Prefeitura de Piracicaba informou que atualmente a Semuttran está trabalhando para finalizar o Plano de Mobilidade de Piracicaba. Esse plano deve nortear as ações a serem implementadas nos próximos 10 anos, “para que o trânsito na cidade seja mais seguro e sustentável.”
Questionada pelo g1 sobre projetos para incentivar o uso de transportes alternativos ao carro, a administração citou o CicloVidas e a nova licitação para o transporte coletivo na cidade, que deve ser finalizada em 2021. Atualmente a empresa TUPi é responsável pelo serviço por meio de um contrato emergencial.
Sobre a sinalização de trânsito, a prefeitura disse que todos os dias a Semuttran faz intervenções na sinalização vertical e horizontal. Qualquer reclamação ou sugestão sobre esse assunto deve ser comunicada pela população através do telefone 156.
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