Zona Sul

Servidores denunciam ao Cremesp aumento de licenças médicas negadas desde que Prefeitura de SP terceirizou perícias


Trabalhadores também relatam espera de até 60 dias para obter resultado do pedido; antes, a média era de até 3 dias. Gestão Ricardo Nunes (MDB) informou que contrato com a clínica Ambiental QVT foi firmado para buscar mais agilidade no processo. Servidores municipais relatam dificuldades para obter licença médica, depois que a Prefeitura de São Paulo terceirizou o serviço
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Servidores denunciaram nesta terça-feira (21) ao Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremesp) enfrentarem dificuldades para obter licenças médicas desde que a Prefeitura de São Paulo terceirizou o serviço de perícia. A gestão Ricardo Nunes (MDB) diz que o novo modelo está agilizando o processo.
O g1 conversou com diversos profissionais do município, e os relatos foram similares: até meados deste ano, os trabalhadores levavam laudos médicos para os peritos da própria prefeitura, que examinavam o documento e publicavam o resultado no dia seguinte, no Diário Oficial da Cidade.
Na maior parte das vezes, segundo os servidores, a orientação do médico era respeitada, e, a licença, concedida.
A dinâmica de liberação das licenças médicas, no entanto, mudou quando a prefeitura assinou um contrato com a empresa Ambiental – Qualidade de Vida no Trabalho. Os trabalhadores denunciam aumento significativo de licenças negadas, lentidão na publicação dos resultados periciais, discrepância entre a quantidade de dias concedidos e solicitados, além da piora no atendimento.
Por este motivo, o Movimento Escolas em Luta, formado por professores da rede pública municipal e que tem recebido dezenas de relatos, protocolou um pedido para que o Cremesp apure os procedimentos adotados pela gestão municipal com o novo modelo.
“Quando era feito por peritos do Cogess, não chegava a sair uma folha inteira de negativas no Diário Oficial, e o resultado era rápido, em até três dias. Hoje leva dois meses. Essa demora tem deixado os profissionais ansiosos com a possibilidade da ausência ser considerada falta, e não licença, e, consequentemente, de enfrentar um processo administrativo”, disse a professora Nelice Pompeu, do Movimento Escolas em Luta.
No Diário Oficial de quinta-feira (16), a lista de negativas ocupava três colunas do jornal.
No Diário Oficial de quinta-feira (16), a lista de pedidos de licenças médicas negados ocupou três colunas do jornal
Diário Oficial da Cidade de São Paulo/Reprodução
Uma das negativas foi para uma servidora, que preferiu não se identificar. Ela disse ao g1 que em 2017 sofreu com depressão, levou o relatório médico à Cogess e teve a licença liberada no mesmo momento. Neste ano, a servidora enfrenta uma nova crise da doença e se deparou com um suporte diferente.
“Eu tomo medicamento contra depressão, mas tive que suspendê-lo porque estou amamentando. A médica me orientou a ficar em casa por 90 dias e levei este relatório até a Ambiental no dia 20 de agosto. A resposta, negativa, chegou apenas no dia 16 de setembro. Agora, estou contando com a ajuda da minha unidade escolar para protocolarmos um recurso contra a decisão”, contou ela, acrescentando que a situação piora a ansiedade que trata.
Uma outra professora da rede pública conseguiu duas licenças consecutivas para um tratamento no primeiro semestre, concedidas pela prefeitura, mas, no terceiro pedido médico, já durante a gestão da clínica Ambiental QVT, conseguiu 20 dias de licença, em vez dos 60 dias indicados pelo médico.
“Falaram tanto sobre o acolhimento que devemos oferecer aos alunos e às famílias neste momento de pandemia, mas não sabem acolher os profissionais, nem mesmo aqueles como eu, com 32 anos de magistério”, disse a servidora, que também fez a perícia em agosto e teve o resultado publicado em setembro.
Em nota, a gestão Ricardo Nunes (MDB), por meio da Secretaria Executiva de Gestão, informou que o contrato com a empresa foi firmado após um processo de licitação com o objetivo de “conferir maior celeridade aos procedimentos periciais dos servidores públicos”: no novo modelo, a prefeitura agenda as perícias para a clínica contratada, e depois o caso volta para a prefeitura, que examina a perícia e publica o resultado no Diário Oficial.
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‘Perícia indireta’ e demora pelo resultado
A Ambiental QVT passou a atuar na perícia médica em julho por R$ 415 mil por mês, e um pagamento de R$ 5 milhões por ano.
De acordo com os servidores, a inserção de um intermediário no serviço tornou o serviço uma “perícia indireta”, que basicamente registra o documento no sistema para que a prefeitura o analise.
Isso implicou no aumento significativo do tempo de espera para que eles obtenham o resultado do pedido e também teria dificultado o acesso ao motivo da negativa, com informações desencontradas.
“Depois de 20 ou 30 dias que a Ambiental assumiu o serviço, passamos a receber um grande volume de reclamações. Estamos com ao menos 100 pedidos de orientação por parte de pessoas desesperadas, querendo entrar com recurso. Nós ajudamos porque também ficou mais difícil entender o motivo da recusa e, por isso, os trabalhadores também têm relatado dificuldades sobre como recorrer das decisões”, disse Roberto Alves da Silva, do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep-SP).
Em nota, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Executiva de Gestão, disse que a situação de demora está normalizada, mas que, “por se tratar de um projeto inovador, que também previa a implantação de um sistema informatizado, foi necessário monitoramento e ajustes no desenvolvimento dele nos primeiros meses”.
A pasta acrescentou que não houve mudanças nas solicitações de recurso, com método “adotado há alguns anos”.
Qualidade do atendimento
Tanto o Movimento Escolas em Luta quanto o Sindsep-SP têm recebido dezenas de relatos sobre o atendimento da terceirizada Ambiental QVT, com “médicos que mal olham para as pessoas e só recebem os documentos”.
“O lugar é pequeno, e as filas ficam enormes, sem nenhum protocolo. Fiquei mais de uma hora esperando do lado de fora para ser atendida naquele 20 de junho, quando fez muito frio em São Paulo. Quando chega a sua vez, o perito age como se você estivesse cometendo um crime, sem olhar na cara”, disse uma servidora da saúde, que sofre com artrose de nível 3 e está com um recurso para conseguir licença médica.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Executiva de Gestão, atribuiu as filas a “alguns servidores, que têm ido às perícias previamente agendadas com muita antecedência ou com muito atraso ou comparecem com acompanhantes”.
“O novo modelo já trouxe maior conforto e rapidez no agendamento e realização das perícias, uma vez que a empresa contratada possui dois endereços, ambos de fácil acesso por transporte público”, continuou a gestão municipal, acrescentando que as instalações da clínica foram vistoriadas e estão de acordo com todas as normas e os protocolos sanitários contra a Covid-19.

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